Thursday, August 26, 2004

 
São Bento do Sapucaí, 4 de Agosto de 2004

Meu Caro Abadius,

há semanas venho pensando nesta mensagem que lhe envio para contar da alegria que tive de saber que você está bem e feliz, solto pelo mundo. Tantos anos se foram desde nossa despedida e nossas juras de segredos que já há algo de sonho em todo esse nosso passado. Espero que você receba sem receios essa minha comunicação e que aceite correspondê-la com linhas suas e que assim possamos satisfazer o que imagino são curiosidades mútuas sobre nossos desenvolvimentos pessoais. Decidí, porém, que nessa carta não devo percorrer os detalhes de minhas peripécias por todo esse tempo de nossa separação. Muito melhor que você saiba como sou hoje, onde vivo e quem são meus amigos. Desta forma você entenderá bem o uso que dei à minha parte de nosso patrimônio e, mais importante, o efeito que a nossa transação teve sobre mim.

Vivo nessa pequena cidade de São Bento do Sapucaí, na fronteira dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Sentado numa espreguiçadeira na varanda na frente de meu pequeno sobrado vejo algo do perfil da Serra da Mantiqueira. Aprendí a gostar muito desse lugar e sua condição desvinculada do mundo em volta. É possível passar semanas tocando a vida pelas suas ruas sem se preocupar com as evoluções estratégicas das nações e governos que antes preenchiam os meus (e seus) dias. É verdade que com a internet posso acompanhar em tempo real acontecimentos políticos, esportivos, econômicos e sexuais mundo afora, mas São Bento do Sapucaí parece transformar essas informações numa novela, como que contada para nós por esse computador, ou como se esses jornalistas lamentáveis de escrita na verdade fossem fantásticos criadores de épicos sangrentos, milionários e repletos de vaidades e ilusões. É preciso viver-se aqui para entender-se do que estou falando. Tenho um amigo médico, Dr Miguel Azevedo, que me visita regularmente de São Paulo, proprietário de uma grande porção de terra mais para o lado da cidade de Monteiro Lobato. É um homem bem sucedido, possui interesses empresariais relevantes e me parece acompanhar as fronteiras mais avançadas de sua especialidade (urologia). Não sei por que recebe por assinatura aquele lamentável periódico "Folha de São Paulo" do qual você certamente se lembrará. Não há final de semana em que, sentado na mesma varanda que lhe descrevi antes, ele não desanca a criticar os chamados colunistas do "jornal", notadamente uns Srs Clóvis Rossi, Jânio de Freitas, Elio Gaspari e Luis Nassif. Traz às vezes o "jornal" consigo do carro, agita-o freneticamente no ar já na calçada ao mesmo tempo que me anuncia os absurdos que esses personagens rabiscaram na semana. Veja, digo eu ao Dr Miguel, esse seu desespero não se põe por esses lados. São Bento nos faz ver esses personagens pelo que eles de fato são (e nisso até respeitáveis em qualidade): autores de ficção, narradores deste enredo onírico que gira pelas suas televisões, rádios e periódicos.

Tenho algo ainda para contar-lhe sobre um encontro antológico que tive com Caetano Veloso na cidade de Paraty recentemente (encontro é muito, assistí-o da platéia). Isso entretanto ficará para minha próxima mensagem. Agora não quero tomar mais seu tempo com essas pequenas notícias da Mantiqueira. Quero sim esperar para ver se recebo algo de você, colega. Torço fervorosamente para que você se sinta confortável para escrever-me através desse Blog. Se puder, diga me algo de suas andanças. Soube que está solteiro. Também eu. Não se preocupe em esperar pelo tempo para longas descrições – algumas palavras rápidas me trarão um enorme prazer.

Um abraço,

Manuel Rangel

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